Clássicos Modernos: o apaixonante (e apaixonado) Wall-E

Uma animação que atinge e arrebata o coração de pessoas de todas as idades, Wall-E, é um filme tão bem escrito e com tanta profundidade, que renderia fácil horas de discussões existenciais e filosóficas.

No roteiro (um dos mais criativos da história do cinema), o mundo como conhecemos acabou devido ao acúmulo de lixo produzido pela humanidade, nada de zumbis, alienígenas, ou um gigantesco asteróide. Sabe aquele papelzinho de bala que você jogou no chão? Então, esse inocente papelzinho é um dos culpados do fim de praticamente toda forma de vida na terra, com exceção das baratas, as quais são retratadas de forma graciosa no filme.

Mas então a humanidade não existe mais? Existe sim! Com pinceladas de um futuro imaginado por Aldous Huxley e seu Admirável Mundo Novo, vemos os humanos vivendo numa colônia onde tudo é controlado: os bebês são fabricados em linhas de produção, a educação das crianças é opressiva, até a roupa que vestem é padronizada. O lugar é dominado pelas máquinas, não há esforço físico ou intelectual, os humanos recebem tudo de mão beijada, não conseguem nem caminhar sem ajuda dos robôs.

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E o que dizer do nosso protagonista Wall-E? Nada mais nada menos, que ele é simplesmente um dos personagens mais apaixonantes do cinema. Um robozinho duro na queda, resistente igual sua amiga barata, ele é bem mais que um simples pedaço de lata.

Wall-E tem personalidade, variações de humor, é apaixonado por filmes românticos, música, dança, inclusive assiste repetidamente ao musical “Hello, Dolly” (1969). Um ponto de grande destaque, é que durante a projeção Wall-E fala por volta de apenas duas palavras, e elas são surpreendentemente suficientes para nos emocionar e divertir. As expressões corporais, principalmente através dos olhos e das mãos não ficam atrás e transformam Wall-E numa espécie de estrela do cinema mudo, algo como o mestre Charles Chaplin.

Classicos Modernos 6 03A vida de Wall-E muda completamente quando ele encontra Eva, uma robô moderníssima e graciosa. Logo Wall-E se apaixona pela explosiva e temperamental robozinha. O processo de aproximação é de uma delicadeza ímpar, e dá uma aula em muito romances adultos, de como se construir uma relação e o surgimento de uma sentimento. É impossível não se apaixonar junto.

A relação dos dois, que é o ponto alto por todo o filme, é clichê no sentido de vermos mais uma vez a princesa e o plebeu. Eva é muito mais poderosa e avançada tecnologicamente que o nosso catador de lixo. Os contrastes são evidentes. Mas esse é o tipo de clichê de “amor impossível” que é tão bem adaptado para o novo contexto, que nem percebemos que já vimos um amor retratado assim no cinema e no fim das contas tudo se parece inédito.

Wall-E nos proporciona uma gama grande de referências, dentre as mais destacáveis estão toques do clássico da ficção científica “2001 – Uma Odisséia no Espaço” (1968), do escritor Arthur C. Clarke, adaptado para o cinema por Stanley Kubrick. O filme empresta sua trilha sonora para a cena em que os humanos voltam a caminhar, desligam os robôs e tomam o controle da nave. O robô-vilão Auto (voz de Sigourney Weaver) é outra referência. Ele corresponde ao computador HAL 9000, personagem da odisseia espacial.

O filme tem poucos diálogos, mas o roteiro é tão bem escrito que entendemos toda a história, contexto, universo e acontecimentos anteriores, baseado apenas no que vemos em tela, nada de diálogos didáticos entre os personagens, para se situar ou assimilar toda a enxurrada de questionamentos filosóficos que o filme nos lança. Esse aspecto/qualidade torna o filme mais adulto e menos infantil, mas isso não quer dizer que o público infantil não ganhe atenção, pelo contrário, Wall-E também tem grandes toques de humor paspalhão, que agradam aos mais novinhos.

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Por que um Clássico moderno?

A criatividade salta a tela e arrebata nossa mente e coração, com um planeta Terra distópico e uma história de amor graciosa e sutilmente construída de maneira impar na sétima arte. A mensagem de alerta de otimismo que o filme nos passa é incrivelmente forte, e suas questões filosóficas e existenciais como comodismo, sedentarismo, acúmulo de lixo e tantas outras ecoam em nossa mente muito tempo após o término do filme. Tudo isso em uma animação caros leitores, em uma animação!

A trilha sonora é belíssima, o desenrolar da trama também. Podemos perder horas falando das qualidades desse clássico moderno, a Pixar nos presenteou mais uma vez com um exercício de criatividade gigantesco, entrando para os anais da história da animação, não pela tecnologia envolvida na computação, mas por ter feito uma verdadeira obra prima animada moderna e eterna.

Outros Clássicos Modernos:

Clássicos Modernos 01 – Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças

Clássicos Modernos 02 – Looper – Assassinos do futuro

Clássicos Modernos 03 – Corpo Fechado

Clássicos Modernos 04 – As Aventuras de PI

Clássicos Modernos 05 – Bastardos Inglórios

Nerd: Julio Garcia

Design gráfico, fotógrafo, aspirante a escritor, DCnauta assumido, que tenta empregar no pequeno filho a DC e o equilíbrio da força, cinéfilo desde o dia mais claro e a noite mais escura, indo ao infinito e além nos universos que gosta.

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