O Fundo É Apenas O Começo: um entendimento muito próximo sobre a mente de quem vive com transtorno psicológico

1. Onde Está esse Abelhudo? Vou comê-lo com Ossos e Tudo! Há duas coisas que você sabe. A primeira: você esteve lá. A segunda: você não pode ter estado lá. É preciso ser um malabarista e tanto para conciliar essas duas verdades incompatíveis. Obviamente, o malabarismo exige uma terceira bola para manter o ritmo. A terceira bola é o tempo – que fica pulando num frenesi muito mais louco do que qualquer um de nós gostaria de acreditar…”

 

— Ok, o livro já se parece com algo do qual eu vou gostar. Bastante reflexões, principalmente devido a temática…

 

2. Lá Embaixo É a Eternidade.

— Não há como determinar a profundidade dela — afirma o capitão, e o lado esquerdo do bigode se retorce como o rabo de um rato. —  Se alguém cair naquele abismo insondável, dias se passaram antes que chegue ao fundo…”

 

— Espera, o que diabos está acontecendo?… me perdi. Não está fazendo sentido algum.

 

3. Melhor assim.

Tenho o seguinte sonho. Estou deitado na mesa de uma cozinha com luzes fortes demais, onde todos os eletrodomésticos são de uma brancura cegante. Não chegam a ser novos, apenas fingem ser. São de plástico, com detalhes em cromo, mas o plástico predomina.

 

Não consigo me mover. Ou não quero. Ou tenho medo. Toda vez que o sonho se repete, ele é um pouco diferente. Há pessoas ao meu redor, só que não são humanos; são monstros, disfarçados. Entraram na minha cabeça e arrancaram várias imagens de rostos, transformando-as em máscaras de gente que amo — mas eu sei que é tudo uma farsa…”

 

— Ahhhhh… entendi… Faz muito sentido agora…

 

MANO, esse autor é muito criativo. Está explicado o porquê de tantos prêmios… pode ser que esse seja o livro mais interessante e criativo que eu leia esse ano.

 

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Vocês devem estar um poucos confusos, sem entender o que está acontecendo acima, e tudo bem. Porque confusão também foi o sentimento que esta, que vos escreve, teve ao iniciar a leitura de “O Fundo é Apenas o Começo” – livro escrito por Neal Shusterman, autor da série “O Ceifador”. Mas fiquem tranquilos que vão logo entender, assim como aconteceu durante a leitura da obra.

 

CADEN BOSCH está a bordo de um navio que ruma ao ponto mais remoto da terra: Challenger Deep, uma depressão marinha situada a sudoeste da Fossa das Marianas.

 

CADEN BOSCH é um aluno brilhante do ensino médio, cujos amigos estão começando a notar seu comportamento estranho.

 

CADEN BOSCH é designado o artista de plantão do navio, para documentar a viagem com desenhos.

 

CADEN BOSCH finge entrar para a equipe de corrida da escola, mas na verdade passa os dias caminhando quilômetros, absorto em pensamentos.

 

CADEN BOSCH está dividido entre sua lealdade ao capitão e a tentação de se amotinar.

 

CADEN BOSCH está dilacerado.

 

Emergimos na trama de Caden sabendo de seus demônios, e de um transtorno psicológico. Isso não é segredo. A capa, a contracapa, a sinopse e as orelhas do livro nos levam a isso. Neal Shusterman não queria a doença de seu protagonista utilizada em elementos narrativos como plot twists e descobertas tardias que surpreendem os leitores na reta final de uma obra.

Ele queria caminhar livremente em águas que precisavam ser (re)descobertas, principalmente nos últimos anos, e, contar da forma mais pura que um observador externo pudesse, como é a mente de uma pessoa que convive com um transtorno psicológico. O modo como esse aspecto da mente do indivíduo tem grande poder sobre a sua vida, em plenitude.

Mas nada te prepara para o que encontra quando abre a capa do livro e se depara com o modo como o autor decidiu apresentar sua narrativa ao mundo. Há um entendimento tão amplo, cru da complexidade da mente humana com transtorno, e realidade nas palavras impressas no papel, que cada página é como um mergulho mais fundo na essência de Caden. É intenso e sensível, esclarecedor e reflexivo, triste e sensitivo. É uma jornada de nuances, que te leva para além daquelas linhas.

Neal escreveu a obra por meio de trechos, o que ao primeiro contato se assemelha a um livro de poesias. Cada um, numerado e intitulado, se refere a um pensamento do protagonista. Inicialmente é confuso e não é possível discernir o que é real daquilo que não o é, mas em pouco tempo as coisas se tornam mais claras.

Ofundo_1Um aspecto que assim como a transparência quanto a condição de Caden, não atrapalha no desenrolar profundo e impressionante da narrativa. Na verdade, ele abre espaço para que pequenos elementos na construção da obra sejam apreciados.

Em razão da sua composição, a trama também não tem uma sequência cronológica linear, com demarcação de passagens de tempo. Há uma aleatoriedade no arranjo dos acontecimentos, eles não são jogados, mas se tratando da mente humana não são perfeitamente amarrados. O sentido está no encaixe final desses fragmentos, e é algo singular.

Durante a leitura é muito interessante ver como mesmo as pequenas coisas foram pensadas cuidadosamente para enriquecer a obra. O  cenário da fantasia em que Caden vive durante alguns momentos, faz uma metáfora delicada e profunda acerca da situação com a qual ele lida. Uma muito relacionada ao que as pessoas descrevem ser a sensação de passar pelo que passa o personagem.

“O Fundo é Apenas o Começo” é um livro criativo, sensitivo, e obrigatório para aqueles que não sofrem de qualquer transtorno psicológico. A fórmula utilizada para sua criação é muito imersiva e leva o leitor para dentro dos pensamentos de Caden, além de sua narrativa trazer, com muita fidelidade, o que é a luta contra a depressão, a ansiedade, e muitos outros desses problemas de saúde pública que têm atingido grande parcela da sociedade.

Neal Shusterman entendeu não só seu personagem, mas o grupo ao qual seu livro representa. E isso, segundo o autor, se deve aos anos ao qual presenciou a intensidade da luta de seu filho contra a ansiedade. Os desenhos utilizados no livro, inclusive, são de autoria do menino.

 

O FIM É APENAS O COMEÇO

AUTOR Neal Shusterman;

TRADUÇÃO Heloísa Leal;

EDITORA Valentina;

ANO 2018;

PREÇO 21 reais, aproximadamente.

Nerd: Ana Giese

A louca com compulsão obsessiva em comprar livros e estudante de jornalismo! Que ama Harry Potter, se apaixona constantemente por personagens fictícios e passa 14 horas assistindo Netflix. Pelo menos sabe precisar de uma visitinha ou duas ao psicólogo!!

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